29 de jul. de 2010

Não há..........

Imagem: fotomontagem dos sapatos pintados por Van Gogh.




Não há nada que dure mais do que um sapato velho



Jogado fora.


Fica sempre carcomido.


Ressecado, embodocado,


Saliente por cima dos monturos.


Quanto tempo!


Que de chuva, que de sol,


Que de esforço, constante, invisível,


Material, atuante,


Silencioso, dia e noite,


Precisará um calçado, no lixo,


Para se decompor absolutamente,


Se desintegrar quimicamente


Em transformações de humo criador?






(Cora Coralina.


Poemas dos becos de Goiás e estórias mais.


São Paulo: Círculo do Livro, p. 67.)

(Marcos Ernani)

"Deveríamos ser sensíveis como as crianças,
que sentem alegria nas pequenas coisas..."


Adeus,


que é tempo de marear!



Por que procuram pelos olhos meus

rastros de choro,

direções de olhar?



Quem fala em praias de cristal e de ouro,

abrindo estrelas nos aléns do mar?

Quem pensa num desembarcadouro?

- É hora, apenas, de marear.



Quem chama o sol? Mas quem procura o vento?

e âncora? e bússola? e rumo e lugar?

Quem levanta do esquecimento

esses fantasmas de perguntar?



Lenço de adeuses já perdi...Por onde?

- na terra, andando, e só de tanto andar...

Não faz mal. Que ninguém responde

a um lenço movido no ar...



Perdi meu lenço e meu passaporte

- senhas inúteis de ir e chegar.

Quem lembra a fala da ausência

num mundo sem correspondência?



Viajante da sorte na barca da sorte,

sem vida nem morte...



Adeus,

que é tempo de marear!



CECÍLIA MEIRELES